Se pedisse para meus pais dizerem quem sou eu talvez eles dissessem que sou uma menina que corre atrás do que quer. Meu pai talvez dissesse “a baixinha não é fácil” e contasse que eu sempre tinha uma reposta na ponta da língua quando era adolescente. Minha mãe talvez dissesse que eu sou muito impulsiva às vezes e “que nasci com asas nos pés”. Por isso o papel dela sempre foi me trazer para a terra.
Se pedisse para meus dois irmãos mais velhos dizerem quem sou talvez dissessem que têm orgulho de mim. O Pablo talvez dissesse que eu quero demais pro meu tamanho e o John talvez contasse que me recebe sempre com um “maninha” e um abraço carinhoso quando volto pra casa.
Se pedisse para meu namorado dizer quem sou eu talvez ele dissesse que sou perfeita. Mas talvez dissesse também que às vezes não me dou conta das coisas erradas que faço. Talvez dissesse que sou companheira para qualquer programa. Ou ainda que se irrita demais com meu sono incontrolável as nove da noite.
Se pedisse para meus amigos dizerem quem eu sou...bom, acho que cada um diria um detalhe diferente. Já me disseram que sou romântica. Já me disseram que sou desprendida. Alguns dizem que sou meiga, outros que sou estressada. Já me disseram que sempre tenho um ombro amigo e que faço coisas de bom coração. Mas também já me disseram que ando desleixada com minhas amizades, alguns já disseram que não lhes dou mais atenção. Mas também já me disseram que sou o tipo de amiga que posso passar meses sem dar sinal de fumaça e mesmo assim, no reencontro, as conversas são as mesmas, eu não mudei. Continuo a mesma amiga de sempre “do tipo que vai ser amiga pra toda a vida”.
Se pedisse para algum chefe dos que já tive dizer quem eu sou talvez ele dissesse que sou uma promissora jornalista. Em fase de aprendizagem ainda, mas dedicada e com um bom texto. Talvez se pedisse para um colega de trabalho dizer quem sou eu ele dissesse que sou quietinha. Outro poderia dizer que sou uma adorável estagiária encomodativa.
Agora, vem o orkut e pergunta para mim mesma quem eu sou. Poderia dizer que às vezes gosto de sol e às vezes de chuva; que choro em filmes da sessão da tarde; que adoro sair, adoro escrever, adoro viajar e ouvir música. Posso dizer que publiquei um texto no jornal quando estava na terceira série e que sonho em ser jornalista desde pequena. Posso dizer que odeio gente estúpida, que detesto ter que gritar com alguém e não suporto gente cheia de não me toques. E diria ainda que já passei cola para ajudar meus colegas, já colei em menor proporção, já gazeei aula e fui parar na secretaria e já fiz promessa com uma amiga pra não chamarem meus pais na escola.
Talvez eu possa dizer que ficava em casa de tarde (talvez por isso goste tanto da sessão) e eu e meu irmão fazíamos nega maluca e comíamos tudo sozinhos. Depois eu escrevia no meu diário “eu comi 8 pedaço de nega maluca. O John comeu 12”. Poderia dizer que comecei a trabalhar com 16 anos, que comecei a sair com 17 e que os amigos dos meus irmãos não ousavam me olhar, porque meus irmãos eram terrivelmente ciumentos. Posso dizer que sempre ia pra casa da minha avó passar as férias e que chegava lá e pedia milho verde e pão caseiro com mel. E dizer também que gosto de comer creme de leite puro (eu sei vc acha nojento, mas eu gosto). Posso dizer que nunca fumei maconha (e nem pretendo), mas que adoro beber cerveja
Poderia dizer que já gastei muito mais tempo da minha vida achando que ia ficar pra titia do que acreditando que iria encontrar um príncipe encantado. E dizer que encontrei uma pessoa maravilhosa bem antes do esperado. Imaginava que ia encontrar perto dos 30 e à beira de um colapso de desespero. Encontrei com 23 e talvez com 30 já seja mãe. E posso dizer que meu pai já foi meu melhor amigo nos momentos em que mais precisei, até para assuntos não muito ortodoxos. E que eu sempre fui a melhor amiga da minha mãe.
Posso dizer que passei em mais de três vestibulares, mas isso não faz de mim um gênio. Odeio física e chutei todas as respostas na mesma letra no vestibular e sim, passei. Posso dizer que já conheci pessoas que mentiam, que se preocupavam apenas com aparências e que se achavam mais por isso. Já fui humilhada e fiquei com o coração ferido. Mas também já encontrei pessoas que me acolheram como filha e muitas que me acolheram como irmã.
Posso dizer que tenho uma família que não cabe só em uma van, que minhas tias bebem feito homens, que quando vou para lá não se pára de comer um segundo. Posso dizer que meu avô tem mil histórias para contar e que minha avó tenta descascar abóbora com o pulso quebrado. Posso dizer que admiro minha família pelas histórias boas e muito ruins que já passaram e que superaram. E todo ano se reúnem para brindar, comer, cantar e dançar.
E poderia dizer que tudo isso me faz ser quem eu sou, mas eu estaria mentindo. Porque aqui não cabem mais as milhares de histórias, de comportamentos e de manias que fazem ser eu a Samantha. Por isso, eu digo que eu não sei quem eu sou. Que não posso dizer simplesmente que sou uma pessoa alegre e de bem com a vida. Ou que sou ansiosa e impulsiva. Isso é muito pouco.
Aliás, qualquer coisa é muito pouco para dizer quem eu sou.